Estão a ver aquele canto esquecido da Europa, lá mesmo ao fundo,
longe das linhas de TGV, dos fiordes e dos canais, das cordilheiras e
das planícies centrais? Aquele terreno entalado entre os espanhóis e um
oceano gigante, lá para trás do sol posto, onde Judas perdeu as botas?
Diz
que é terra de gente desorganizada, xico-esperta, cábula, trapaceira.
Um povo de preguiçosos, fracos, deprimidos. Mandriões, subservientes,
abatidos. Indolentes, sonolentos, cabisbaixos. Diz que nos falta muito,
tanta coisa. Falta-nos o método, o foco e a capacidade analítica.
Falta-nos perspectiva, visão estratégica, capacidade de desenhar planos
de longo prazo.
Diz que somos uns tristes, nojentos, porcos. Abaixo de cão. “Dégueulasses”, portanto.
Sabem lá vocês, oh mundo!
Aqui
há um povo nobre. Gente que não se resigna, que faz das fraquezas
forças, que cai e se levanta, que renasce. Gente que constrói um império
a partir de um nico de terra, que se atira ao Oceano sem saber o que
esperar para lá das nuvens e da curva do horizonte. Gente que não se
apequena perante o tamanho do adversário, que se atira aos confrontos
com a atitude de quem tem pouco a perder.
Gente que não desiste, que não se cala, que não baixa os braços.
Aqui
vive o povo mais criativo do mundo. Um povo que vê borboletas nas
traças, que desafia o razoável, tira coelhos da cartola, transforma as
entranhas em poesia, o lixo em luxo e o quase nada em tanto. Que faz da
tragédia glória.
Aqui vive um povo de coração a sair do peito,
que acolhe, que adopta, que perdoa. Que tanto grita como beija, tanto
luta como chora.
Aqui vive um povo que finta o destino, que desafia a probabilidade, que contorna condenações e desalinha a ordem natural.
Somos
lutadores e orgulhosos, como Ronaldo. Somos certeiros e inspirados,
como Rui Patrício. Somos príncipes rebeldes, como Quaresma. Somos o
herói improvável, como Éder. Somos cegamente optimistas, como Fernando
Santos.
Somos grandes gigantes e hoje a taça é nossa. Venham os
franceses ou alemães, as crises e as sanções, os desatinos e as
confusões. Os exits e as depressões.
Somos nós o povo que arranca
o prefixo de impossível. E se ele teimar em não cair, o que certamente
será muito injusto, uma idiotice pegada ou um azar dos diabos, havemos
de sobreviver.
Mafalda Anjos
Directora adjunta do Expresso