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terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Sem título

 Queria-te escrever uma carta de despedida, mas não sei despedir-me de mim.

E podem até parecer coisas diferentes, mas não são.

Cruzámos  as pernas, os dedos, os sonhos.

Já não sabia onde acabava eu e começavas tu. 

E é por isso que sei que os bocados meus que me faltam, hão-de estar no bolso de um casaco teu, esquecidos entre as facturas e a moeda de plástico do carrinho do supermercado.

E é por isso que há partes de mim que sei que são tuas, que foste plantando e semeando cá dentro.

É um jardim bastante deprimente que te presta homenagem, tenho tentado não passar lá tempo demais.

Queria escrever-te uma carta de despedida, mas não sei despedir-me de mim, por isso escrevi só: 

Cuida de ti. 

Na esperança que cuidasses de mim também, não da minha presença, mas da minha saudade.

 

 

 CD

sábado, 19 de dezembro de 2020

Tenho receio...


 ... pelos dias que passam corridos e pelos dias que passam batidos. Tenho medo pelos dias que não acrescentam, pelas horas vazias cheias de coisa nenhuma, ao mesmo tempo que sinto que vinte e quatro horas não chegam para nada.
Ou estou a fazer mil coisas ou estou numa inércia em que tudo me parece demasiado cansativo e volátil. Tenho saudades de algumas coisas, pessoas e situações, quando em simultâneo não sinto falta de nada. Ao mesmo ritmo que quero ir, fazer e acontecer, quero estar sossegada no meu canto, não ouvir a voz de ninguém, só pensar em voz alta. Gosto dos pedacinhos de silêncio que consigo encontrar num dia só... Que podem ser, muitas vezes, um problema para uma mente inquieta. Nunca me fez tanto sentido perguntar "para onde vou? Quem sou e o que faço aqui?" Sei que afasto as pessoas e nem sempre é uma escolha intencional, mas depois da vulnerabilidade com que abres o teu livro, vêem-te com outros olhos. Ou pelo menos eu acho isso.
E nos relatos que deixo escapar, a mensagem é de redenção e não de auto-comiseração. Não é o onde estou agora, mas o para onde posso ir e o que farei para lá chegar. E na verdade, ninguém sabe o que passaste, o que tiveste de suportar para estares onde estás hoje, mesmo que isso, para eles, signifique pouco, para mim é motivador. Para mim é a personificação de resiliência e os outros não têm de entender isso. Eles não estavam lá nos Natais e nos aniversários que passei sozinha. Eles não estavam lá quando, grande parte da vida, estive sozinha. Eles não me ligaram a perguntar nada quando o dinheiro não me chegou para pagar as contas. Eles não estavam lá quando me empurraram para hospitais e o problema não era eu. Eles não estavam lá quando engoli o choro e o troquei por uma gargalhada. Por isso, os outros são apenas isso, os outros. E eu, mais ou menos complicada, mais ou menos difícil de lidar e entender... Fiz o meu caminho, certo ou errado, não importa, foi o meu... E no final das contas, reconheço o meu valor!

domingo, 13 de dezembro de 2020

Não quero ser a mais perfeita das mulheres.

 

Nem sequer quero andar lá perto. Quero ser exatamente aquilo que sou. Cheia de manias, umas mais suportáveis, outras menos. Quero continuar a soltar uns palavrões e a rir alto. Quero, dentro das minhas imperfeições, e algumas são enormes, continuar este caminho de não agradar a todos. Não me incomoda isso, pelo contrário. Deve ser uma chatice quando todo o mundo gosta de nós. Deve ser um aborrecimento viver dentro das redomas do politicamente correto. Não sou. Não vou ser e não me esforço nem um pouco para isso. E ao longo do caminho vou coleccionando gente que me admira pela forma como me expresso e não me importo com o que os outros pensam... Mas vou coleccionando também uns "ódios de estimação"... Que me divertem às vezes. Pela falta de argumentos, pelo veneno na ponta da língua, pelo desejo que têm de ser um bocadinho menos ovelhas, mas que não conseguem sair desse registo. Mas admiro a capacidade que têm de perder tempo comigo. De me apontarem o dedo, de me chamarem revolucionária... E aqui entre nós, sou mesmo.
O que essas pessoas não sabem é que tudo em mim é genuíno, nada fingido... O sangue na guelra, o coração junto da boca, as emoções à flor da pele. Tudo isso é meu. Não é ensaiado, não faz parte de uma performance teatral. Sou eu, enquanto gente. No bem e no mal. Para dizer "gosto muito ou sai de perto de mim!". Tudo o que eu acredito eu vou atrás, eu defendo. E se no final, os outros não gostarem... Eu não quero saber. Porque eu não sou os outros. Não são eles nem o que pensam que me definem. E quanto mais falam... Mais eu gosto de mim!