O fato é que eu venho pensando nisso. Na incrível dissonância entre a
criação que nós, meninas e jovens mulheres, recebemos e a expectativa da
maioria dos meninos, jovens homens, homens e velhos homens.O que
nossos pais esperam de nós? O que nós esperamos de nós? E o que eles
esperam de nós? Somos a geração que foi criada para ganhar o mundo.
Incentivadas a estudar, trabalhar, viajar e, acima de tudo, construir a
nossa independência. Os poucos bolos que fiz na vida nunca fizeram os
olhos da minha mãe brilhar como as provas com nota 10. Os dias em que
me arrumei de forma impecável para sair nunca estamparam no rosto do meu
pai um sorriso orgulhoso como o que ele deu quando entrei no mestrado.
Quando resolvi fazer um breve curso de noções de gastronomia meus pais
acharam bacana. Mas quando resolvi fazer um breve curso de língua e
civilização francesa na Sorbonne eles inflaram o peito como pombos.Não
tivemos aula de corte e costura. Não aprendemos a rechear um lagarto.
Não nos chamaram pra trocar fralda de um priminho. Não nos explicaram a
diferença entre alvejante e água sanitária. Exatamente como aconteceu
com os meninos da nossa geração. Mas nos ensinaram esportes. Nos fizeram
aprender inglês. Aprender a dirigir. Aprender a construir um bom
currículo. A trabalhar sem medo e a investir nosso dinheiro. Exatamente
como aconteceu com os meninos da nossa geração.Mas, escuta, alguém
lembrou de avisar os tais meninos que nós seríamos assim? Que nós
disputaríamos as vagas de emprego com eles? Que nós iríamos querer
jantar fora, ao invés de preparar o jantar? Que nós iríamos gostar de
cerveja, whisky, futebol e UFC? Que a gente não ia ter saco para ficar
dando muita satisfação? Que nós seríamos criadas para encontrar a
felicidade na liberdade e o pavor na submissão?Aí, a gente, com nossa
camisa social que amassou no fim do dia, nossa bolsa pesada, celular
apitando os 26 novos e-mails, amigas nos esperando para jantar, carro
sem lavar, 4 reuniões marcadas para amanhã, se pergunta “que raio de
cara vai me querer?”.“Talvez se eu fosse mais delicada… Não falasse
palavrão. Não tivesse subordinados. Não dirigisse sozinha à noite sem
medo. Talvez se eu aparentasse fragilidade. Talvez se dissesse que não
me importo em lavar cuecas. Talvez…”Mas não. Essas não somos nós. Nós
queremos um companheiro, lado a lado, de igual pra igual. Muitas de nós
sonham com filhos. Mas não só com eles. Nós queremos fazer um risoto.
Mas vamos querer morrer se ganharmos um liquidificador de aniversário.
Nós queremos contar como foi nosso dia. Mas não vamos admitir que alguém
questione nossa rotina.O facto é: quem foi educado para nos querer? Quem
é seguro o bastante para amar uma mulher que voa? Quem está disposto a
nos fazer querer pousar ao seu lado no fim do dia? Quem entende que
deitar no seu peito é nossa forma de pedir colo? E que às vezes nós
vamos precisar do seu colo e às vezes só vamos querer companhia pra um
vinho? Que somos a geração da parceria e não da dependência? E não estou
aqui, num discurso inflamado, culpando os homens. Não. A culpa não é
exatamente deles. É da sociedade como um todo. Da criação equivocada. Da
imagem que ainda é vendida da mulher. Dos pais que criam filhas para o
mundo, mas querem noras que vivam em função da família. No fim das contas
a gente não é nada do que o inconsciente coletivo espera de uma mulher.
E o melhor: nem queremos ser. Que fique claro, nós não vamos andar para
trás. Então vai ser essa mentalidade que vai ter que andar para frente.
Nós já nos abrimos pra ganhar o mundo. Agora é o mundo tem que se virar
pra ganhar a gente de volta.
Ruth Manus
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