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sábado, 21 de fevereiro de 2015

Ela está solteira. Não sozinha.




Ela pinta as unhas de vermelho quando quer. Mas também sabe deixar as unhas a lascar quando lhe dá vontade. Esbanja esquisitices ao falar das suas séries favoritas e cala-se quando o assunto é sobre o porquê dela não ter namorado.
Ela usa vestidos de crochet, e gosta daqueles clichês de tomar chá quando o tempo está frio. Bebe cerveja em canecas como os homens pré-históricos quando lhe apetece. Ela ri de palavrões e de piadas de humor negro. Mas, também, derrete-se mais do que manteiga numa frigideira quando recebe um sms romântico de madrugada.
Mas por que não namora?
Ela acorda, escova os dentes perfeitos, sinal de quem já usou aparelho, toma chocolate quente, arruma-se e vai trabalhar.  Ela é linda e desconversa. Fala do tempo, do futebol, da novela, da mãe e da crise em Portugal.
Mas porque é que não namora?
Quando o assunto é sexo, ela fala menos do que escuta. Gosta de umas bandas que ninguém conhece e chora com as histórias do Nicholas Sparks. 
É misteriosa também. Corta o cabelo de acordo com as fases da lua e se lhe apetecer come massa com feijão. Não é esquisita. De Verão por vezes, liga o ar condicionado porque gosta de dormir a sentir o frio e acaba por adormecer como um esquimó com meias e edredon. Uma linda esquimó por sinal. Costuma atender as chamadas somente após a quarta tentativa de ligação. Não, ela não as ignora. Ela perde é tempo a procurar o telemóvel na bolsa, debaixo da cama ou na pia da casa de banho. Mas, de vez em quando, ela sabe ignorar também. Diz que não sabe dançar. Recusa os convites, mas adora ser convidada. 
Mas porque é que ninguém conseguiu ultrapassar esse muro de Berlim que ela ergueu no seu peito? Ela desconversa. Ri pelo canto da boca e pergunta-me se eu fumo tentando desviar o assunto para longe. Eu insisto. Falo coisas fora de moda atiro ao ar o facto de  achá-la perfeita demais para não andar com algum sortudo lado-a-lado. Ela empina o nariz  fino, lança-me os seus olhos escuros brilhantes e ajeita-se sobre a mesa. Muda o tom e diz-me: 
“Porque eu não quero”.
E eu rio, sem graça, da minha maldita ideia de achar que todo mundo quer ter alguém para dividir os brownies.

[Hugo Rodrigues]

10 comentários:

  1. Ela está solteira. Não sozinha.....bela dicotomia de palavras.....
    Mas se eu morasse lá, ela poderia estar solteira. Mas não estaria sozinha!!!

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  2. Só namora quem quer. As simple as that.

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  3. Excelente texto....!
    Bom voltar aqui!!!
    Beijinhos
    Maria

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  4. Por vezes as duas andam de mãos dadas e só alguns/mas se podem dar ao luxo de escolher.

    Beijos

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    Respostas
    1. Basta aceitarmos que nem toda a gente precisa de alguém para ser feliz.

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