
São quase três da manhã e estou na varanda fechada, mas aberta para o céu.
Cansada, mas lúcida.
Inquieta, mas serena (se é que isto faz sentido).
A lua espreita serena entre os prédios, espalhando um brilho suave sobre a roupa estendida nos estendais dos vizinhos, que balança devagar, como se dançasse ao som de uma melodia que só eu consigo ouvir.
As estrelas piscam, tímidas, cada uma como uma promessa de tudo o que ainda quero viver.
Com tudo o que está por vir.
O silêncio domina, mas não está vazio.
Chegam-me sons da rua: passos lentos, o farfalhar das folhas, um carro distante.
Escuto também os murmúrios das casas: risos abafados, portas que se fecham, televisões ligadas, saltos que batem no soalho.
Tudo se mistura numa sinfonia íntima, um murmúrio de vidas que continuam mesmo enquanto o mundo parece dormir.
E no meio deste cenário, Rui Veloso canta baixinho para mim.
Volto sempre ao "Anel de rubi".... suave e carregada de memórias, como se a cidade inteira tivesse decidido cantar para mim esta madrugada.
Cada acorde percorre a varanda, envolve-me, e transforma cada detalhe...a roupa a balançar, o farfalhar das folhas, os sons da rua, numa dança delicada de lembranças e desejos.
Sento-me, deixo-me perder entre o brilho da lua, um gole de vinho e o ritmo da música. Penso em tudo o que ainda quero fazer, nos lugares que quero conhecer, nas histórias que ainda vou viver.
Cada estrela é um fio de esperança, cada som da rua um lembrete de que a vida está ali, à espera.
E eu estou aqui, quieta na varanda, entre o céu e a rua, entre o silêncio e a melodia, sonhando acordada.
"Está um frio de rachar", mas o coração quentinho.
Mesmo cercada pelo sono do mundo, percebo que estou viva.
Inteira.
Solta.
Com o coração a bater no ritmo da madrugada e da minha própria imaginação, embalado pelo "Anel de Rubi" que toca, discreto, só para mim...
Como se tivesse sido feita para mim.





